A cessão de crédito é um negócio jurídico previsto no Código Civil brasileiro (Artigos 286 a 298) pelo qual o credor original (cedente) transfere seus direitos sobre um crédito a um terceiro (cessionário), que passa a ser o novo titular desse direito. Este mecanismo é amplamente aplicável a diversos tipos de obrigações, conferindo liquidez a créditos e permitindo que empresas e indivíduos otimizem seu fluxo de caixa ou terceirizem a cobrança.
Validade da Cessão para Diversos Tipos de Crédito
O Artigo 286 do Código Civil estabelece a regra geral: “O credor pode ceder o seu crédito, se a isso não se opuser a natureza da obrigação, a lei, ou a convenção com o devedor”. Isso significa que, em princípio, a maioria dos créditos pode ser cedida, incluindo aqueles decorrentes de:
- Taxas Condominiais: Conforme já pacificado pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), o crédito referente a taxas condominiais pode ser cedido. Uma característica crucial é que a cessão, neste caso, não altera a natureza propter rem da dívida (vinculada ao imóvel) nem as garantias legais associadas, como a possibilidade de penhora do bem de família para satisfazer o débito (REsp 1.570.452 – RJ). O cessionário recebe o crédito com as mesmas prerrogativas do condomínio cedente.
- Contratos Diversos: Créditos originados de contratos de prestação de serviços, fornecimento de bens, aluguéis, empréstimos entre particulares, entre outros, são passíveis de cessão, desde que não haja vedação legal ou contratual expressa.
- Títulos de Crédito: Cheques, notas promissórias, duplicatas e outros títulos de crédito também podem ter seus direitos creditórios cedidos, observando-se as regras específicas do direito cambial quando aplicáveis, além das normas da cessão civil.
A única ressalva legal importante é a oposição da natureza da obrigação (obrigações personalíssimas, por exemplo), vedação legal específica ou cláusula contratual proibitiva. Contudo, mesmo havendo cláusula proibitiva no contrato original, ela não pode ser oposta ao cessionário de boa-fé se não constar do próprio instrumento da obrigação.
É fundamental destacar que, salvo disposição em contrário, a cessão de um crédito abrange todos os seus acessórios (Art. 287 do Código Civil), como juros, multas, garantias reais (hipoteca, penhor) ou fidejussórias (fiança), o que fortalece a posição do cessionário.
Procedimento Seguro para Realizar a Cessão de Crédito
Para garantir a segurança jurídica da operação tanto para o cedente quanto para o cessionário, alguns passos são essenciais:
- Verificação Prévia (Due Diligence): O cessionário deve realizar uma análise cuidadosa do crédito que pretende adquirir, verificando sua existência, validade, exigibilidade, valor exato, eventuais garantias e a inexistência de vedações legais ou contratuais à cessão. É importante também analisar a solvência do devedor.
- Instrumento Formal: A cessão deve ser formalizada por escrito, através de um instrumento público ou particular (Art. 288 do Código Civil). Este documento, denominado “Termo de Cessão de Crédito”, deve conter a qualificação completa das partes (cedente, cessionário e devedor), a descrição detalhada do crédito cedido (origem, valor, vencimento, etc.), o preço e a forma de pagamento pela cessão (se onerosa), a data e as assinaturas. Recomenda-se o reconhecimento de firma e, para maior segurança contra terceiros, o registro do instrumento em Cartório de Títulos e Documentos.
- Notificação do Devedor: Este é um passo crucial para a eficácia da cessão perante o devedor. O Artigo 290 do Código Civil é claro: “A cessão do crédito não tem eficácia em relação ao devedor, senão quando a este notificada”. A notificação informa ao devedor que ele deve pagar ao novo credor (cessionário). Sem a notificação, se o devedor pagar ao credor original (cedente), ele estará liberado da obrigação. A notificação pode ser judicial ou extrajudicial (preferencialmente por meio que comprove o recebimento, como carta registrada com aviso de recebimento ou via Cartório de Títulos e Documentos). A ciência do devedor sobre a cessão, manifestada em escrito público ou particular, equivale à notificação.
Cobrança do Crédito pelo Cessionário
Uma vez formalizada a cessão e notificado o devedor, o cessionário assume a posição do credor original, adquirindo todos os direitos e ações relativos ao crédito cedido.
- Legitimidade para Cobrar: O cessionário passa a ser o único legitimado a cobrar a dívida, tanto extrajudicialmente quanto judicialmente.
- Meios de Cobrança: Pode utilizar todos os meios legais disponíveis: contatos de cobrança amigável, notificações extrajudiciais e, se necessário, ações judiciais (ação de cobrança, ação monitória, ação de execução – esta última se o crédito estiver representado por um título executivo extrajudicial, como um cheque, nota promissória ou o próprio crédito condominial, conforme Art. 784, X, do Código de Processo Civil).
- Apresentação de Documentos: Ao cobrar, o cessionário deve estar apto a apresentar o Termo de Cessão e a prova da dívida original, além da comprovação da notificação do devedor.
- Defesas do Devedor: É importante saber que o devedor pode opor ao cessionário as mesmas defesas que tinha contra o cedente no momento em que foi notificado da cessão (Art. 294 do Código Civil). Por exemplo, se parte da dívida já havia sido paga ao cedente antes da notificação, o devedor pode alegar isso contra o cessionário.
Seguindo o procedimento legal, a cessão de crédito se mostra uma ferramenta válida e segura para a circulação de riquezas e recuperação de ativos, beneficiando tanto cedentes, que antecipam recebíveis ou se desoneram da cobrança, quanto cessionários, que adquirem créditos, muitas vezes com deságio, assumindo o direito (e o risco) de cobrá-los.