Cobrança de Dívidas e o Risco do Dano Moral: Um Guia para Empresas

A atividade de cobrança de dívidas é um pilar fundamental para a saúde financeira de qualquer negócio, representando o exercício legítimo do direito do credor de reaver valores que lhe são devidos. Contudo, a linha entre uma cobrança eficaz e uma prática abusiva pode ser tênue, e ultrapassá-la expõe a empresa ao risco significativo de condenações por danos morais. Compreender o que configura o dano moral no contexto da cobrança e adotar práticas preventivas é essencial para proteger a reputação e a sustentabilidade da empresa.

O Que é Dano Moral no Contexto da Cobrança?

O dano moral, em sua essência, refere-se a uma lesão que atinge os direitos da personalidade de um indivíduo, como sua honra, imagem, dignidade, privacidade ou tranquilidade psíquica. Diferentemente do dano material, que afeta o patrimônio financeiro, o dano moral causa um sofrimento íntimo, uma angústia ou um constrangimento que transcende os meros aborrecimentos do cotidiano. No âmbito da cobrança de dívidas, o dano moral se configura quando as ações da empresa credora ou de seus representantes extrapolam os limites do razoável e do legalmente permitido, submetendo o devedor a situações vexatórias, humilhantes ou ameaçadoras.


É crucial entender que o simples ato de cobrar uma dívida existente não gera, por si só, dano moral. A cobrança é um direito do credor. O problema reside no modus operandi, ou seja, na forma como essa cobrança é realizada. A legislação brasileira, notadamente o Código de Defesa do Consumidor (CDC), estabelece limites claros para as práticas de cobrança, visando proteger o devedor de excessos.

Como o Dano Moral Pode Ocorrer em Atividades de Cobrança?

A caracterização do dano moral em ações de cobrança pode surgir de diversas práticas consideradas abusivas pela legislação e pela jurisprudência. Empresas de cobrança devem estar especialmente atentas para evitar:

  • Exposição ao Ridículo ou Constrangimento: Qualquer ação que exponha o devedor publicamente ou perante terceiros (vizinhos, colegas de trabalho, familiares) de forma vexatória é vedada. Isso inclui deixar recados sobre a dívida com terceiros, contatar o local de trabalho para tratar da cobrança (salvo exceções muito específicas e com extrema cautela), ou utilizar linguagem humilhante.
  • Ameaças e Coação: O uso de ameaças, sejam elas físicas, morais ou relacionadas a ações judiciais infundadas, configura prática abusiva. A coação para forçar o pagamento, como ameaçar a perda de bens de forma ilegal ou pressionar psicologicamente o devedor, é passível de gerar dano moral.
  • Cobrança em Horários Inapropriados: Realizar contatos de cobrança em horários de descanso (noites, domingos, feriados) de forma insistente pode ser considerado abusivo e perturbador da tranquilidade do devedor.
    Insistência Excessiva: Embora a persistência seja parte da cobrança, a quantidade e a frequência das ligações, mensagens ou visitas devem respeitar limites razoáveis. Um número excessivo de contatos diários ou semanais pode configurar assédio.
  • Informações Falsas ou Enganosas: Utilizar informações incorretas sobre a dívida, os encargos, as consequências do não pagamento ou se passar por autoridade judicial ou policial para intimidar o devedor são práticas ilegais.
  • Cobrança de Dívida Inexistente ou Já Paga: Realizar a cobrança de um débito que não existe ou que já foi quitado, especialmente se levar à negativação indevida do nome do consumidor, é uma causa frequente de condenações por danos morais.

O Código de Defesa do Consumidor, em seu artigo 42, é explícito ao proibir que o consumidor inadimplente seja exposto a ridículo ou submetido a qualquer tipo de constrangimento ou ameaça na cobrança de seus débitos. Além disso, o artigo 71 do mesmo código tipifica como crime utilizar, na cobrança de dívidas, de ameaça, coação, constrangimento físico ou moral, afirmações falsas, incorretas ou enganosas ou de qualquer outro procedimento que exponha o consumidor, injustificadamente, a ridículo ou interfira com seu trabalho, descanso ou lazer.

Como Evitar Condenações: Dicas para uma Cobrança Legítima e Não Abusiva

Para realizar uma cobrança eficaz sem incorrer em práticas abusivas e, consequentemente, evitar condenações por danos morais, as empresas de cobrança devem adotar uma postura ética, profissional e estritamente legal. Algumas diretrizes são fundamentais:

  • Treinamento Contínuo da Equipe: Invista na capacitação dos colaboradores responsáveis pela cobrança. Eles devem conhecer profundamente a legislação aplicável (CDC, Código Civil), as políticas internas da empresa e, principalmente, as técnicas de negociação e comunicação assertiva, focando no respeito ao devedor.
  • Respeito aos Limites Legais: Cumpra rigorosamente as determinações legais quanto a horários de contato, frequência de ligações e formas de abordagem. Evite qualquer menção à dívida com terceiros.
  • Comunicação Clara e Precisa: Forneça informações exatas sobre a dívida (valor principal, juros, encargos), as condições de pagamento e as reais consequências do inadimplemento. Evite linguagem ambígua, ameaçadora ou enganosa.
  • Verificação da Dívida: Antes de iniciar qualquer contato, certifique-se da existência e da exatidão da dívida. Cobrar valores indevidos é um erro grave que frequentemente leva a processos judiciais.
    Documentação e Registro: Mantenha registros detalhados de todas as interações com o devedor (datas, horários, teor das conversas, acordos propostos e firmados). Essa documentação é crucial em caso de questionamentos futuros.
  • Foco na Negociação: Aborde a cobrança como uma oportunidade de negociação. Ofereça opções de pagamento realistas, demonstre flexibilidade e busque soluções amigáveis sempre que possível.
  • Canais de Comunicação Adequados: Utilize canais de comunicação apropriados e respeitosos. Evite exposição pública ou abordagens que possam constranger o devedor.
  • Política Interna Clara: Estabeleça uma política de cobrança interna clara, com diretrizes sobre o que é permitido e proibido, e assegure que todos os colaboradores a conheçam e a sigam.
  • Assessoria Jurídica: Conte com o suporte de uma assessoria jurídica especializada para orientar sobre as melhores práticas, revisar procedimentos e auxiliar na resolução de casos mais complexos ou litigiosos.

Ao adotar essas práticas, a empresa não apenas minimiza o risco de ações por danos morais, mas também constrói uma imagem mais profissional e ética no mercado, o que pode, inclusive, facilitar a recuperação dos créditos ao estabelecer uma relação de maior confiança com os devedores.


Em conclusão, a cobrança de dívidas exige profissionalismo, conhecimento legal e, acima de tudo, respeito à dignidade do devedor. A prevenção de práticas abusivas é o caminho mais seguro e eficiente para garantir a legitimidade da cobrança e proteger a empresa de passivos judiciais relacionados a danos morais.

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