A cobrança de tarifas pela prestação de serviços bancários é uma prática legítima e essencial para a sustentabilidade das instituições financeiras. Contudo, para que essa cobrança seja lícita e não origine disputas judiciais por cobrança indevida, é imperativo que os bancos observem rigorosamente não apenas as normativas do Banco Central do Brasil (Bacen), mas também os entendimentos consolidados pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), especialmente no que tange aos deveres de informação, transparência e necessidade de contratação prévia e expressa pelo consumidor.
O Marco Regulatório e a Interpretação Judicial
A principal norma que rege a cobrança de tarifas é a Resolução CMN nº 3.919/2010 do Bacen. Ela estabelece categorias de serviços (essenciais, prioritários, especiais e diferenciados) e veda a cobrança por serviços considerados essenciais para pessoas naturais, tanto em contas de depósito à vista quanto de poupança. A resolução também padroniza a nomenclatura e o fato gerador das tarifas permitidas, buscando maior clareza para o consumidor.
Entretanto, a mera previsão regulatória de uma tarifa não autoriza sua cobrança automática. O STJ tem reiteradamente enfatizado que a legalidade da cobrança de tarifas bancárias está intrinsecamente ligada ao cumprimento, pela instituição financeira, de deveres anexos à boa-fé objetiva, principalmente o dever de informação clara e adequada e a necessidade de prévia e expressa contratação ou autorização do serviço pelo cliente. A falha nesses aspectos é o principal foco de litígios que resultam em condenações por cobrança indevida e, frequentemente, em danos morais.
Tarifas Permitidas: Tipos, Condições e Periodicidade
Conforme a Resolução 3.919/2010, os bancos podem cobrar por serviços classificados como prioritários, especiais e diferenciados, desde que não se confundam com os essenciais (que são gratuitos). Alguns exemplos de serviços prioritários tarifáveis incluem:
- Manutenção de Conta (Pacote de Serviços): Tarifas associadas a pacotes que oferecem serviços além dos essenciais (ex: número maior de saques, extratos, transferências TED/DOC além da franquia gratuita). A periodicidade é tipicamente mensal.
- Transferências de Recursos: Cobrança por transferências via TED ou DOC que excedam a franquia gratuita do pacote essencial ou do pacote contratado. A cobrança é por evento.
- Operações de Crédito e Arrendamento Mercantil: Tarifas específicas relacionadas a esses contratos (embora muitas, como TAC e TEC, tenham sido consideradas ilegais pelo STJ em contratos posteriores a 30/04/2008, outras podem ser permitidas se previstas pelo Bacen e devidamente contratadas).
- Cartão de Crédito Básico: Anuidade pela disponibilização e administração do cartão de crédito com funções básicas. A periodicidade é geralmente anual, podendo ser parcelada.
- Serviços Diferenciados: Tarifas por serviços como fornecimento de segunda via de cartão em situações específicas (perda, roubo), extratos adicionais ou com layout diferenciado, envio de mensagens automáticas (SMS/push) sobre movimentação (se contratado), cartões de crédito com benefícios adicionais (programas de pontos, seguros, etc.). A periodicidade varia (por evento, mensal, anual).
Valores e Periodicidade: Os valores das tarifas devem estar claramente especificados na Tabela de Serviços da instituição, que deve ser amplamente divulgada e de fácil acesso aos clientes (inclusive em agências e sites). A periodicidade da cobrança (mensal, anual, por evento) também deve ser transparente e constar no contrato ou na autorização específica do cliente.
Evitando Litígios: Práticas Essenciais Conforme o STJ
Para mitigar o risco de ações judiciais por cobrança indevida de tarifas, os bancos devem adotar as seguintes práticas, alinhadas ao entendimento do STJ:
- Transparência Absoluta na Contratação: No momento da abertura da conta ou da contratação de qualquer produto/serviço, o cliente deve ser informado de forma clara, completa e inequívoca sobre todas as tarifas que podem incidir, seus valores, fatos geradores e periodicidade. Deve-se dar destaque especial à existência do pacote de serviços essenciais gratuitos, garantindo que o cliente tenha ciência dessa opção antes de aderir a um pacote tarifado.
- Contratação Expressa e Comprovada: A cobrança de qualquer tarifa (especialmente as de pacotes de serviços ou serviços avulsos não essenciais) só é legítima se houver prova inequívoca da solicitação ou adesão expressa do cliente. Contratos de adesão devem ter cláusulas claras e destacadas sobre as tarifas. A instituição deve manter registros robustos dessa contratação (contrato assinado, aceite digital com log de confirmação, etc.). A simples disponibilização do serviço sem solicitação ou autorização não justifica a cobrança.
- Clareza nos Extratos: Os extratos bancários devem discriminar de forma detalhada cada tarifa cobrada, indicando o serviço correspondente, a data e o valor, permitindo ao cliente identificar facilmente o que está sendo pago.
- Vedação à Venda Casada: É proibido condicionar a contratação de um produto ou serviço (como um empréstimo) à aquisição de outro serviço tarifado (como um seguro não solicitado ou título de capitalização). Essa prática é ilegal e gera direito à restituição e possíveis danos morais.
- Adequação do Pacote ao Perfil: Oferecer pacotes de serviços que sejam adequados ao perfil de uso do cliente, evitando a contratação de pacotes caros e com serviços que o cliente sabidamente não utilizará, pode evitar futuras alegações de abusividade ou venda inadequada.
- Canais Eficazes para Reclamações: Manter canais de atendimento acessíveis e eficientes para que os clientes possam questionar cobranças e solicitar cancelamentos ou estornos. A resolução administrativa rápida e eficaz de contestações evita a judicialização.
- Revisão Periódica de Contratos e Práticas: Assegurar que os modelos contratuais e as práticas comerciais estejam sempre atualizados conforme as últimas normativas do Bacen e a jurisprudência consolidada do STJ.
Ao incorporar essas diretrizes em suas operações, as instituições financeiras não apenas cumprem suas obrigações legais e regulatórias, mas também fortalecem a relação de confiança com seus clientes, reduzindo significativamente a exposição a litígios custosos e desgastantes relacionados à cobrança de tarifas bancárias.